sexta-feira, 20 de abril de 2007

Mãe!

Vem ouvir a minha cabeça a contar
histórias ricas que ainda não viajei!
Traze tinta encarnada para escrever
estas coisas! Tinta cor de sangue,
sangue verdadeiro, encarnado.

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça
não se lembra senão de viagens!
Eu vou viajar.Tenho sede!
Eu prometo viajar.

Quando voltar é para subir os degraus
da tua casa, um por um. Eu vou
aprender de cor os degraus da nossa
casa. Depois venho sentar-me ao teu
lado. Tu a coseres e eu a contar-te as
minhas viagens, aquelas que eu viajei,
tão parecidas com as que não viajei,
escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe! ata as tuas mãos às minhas e
dá um nó-cego muito apertado. Eu
quero ser qualquer coisa da nossa
casa.Como a mesa. Eu também quero
Ter um feitio que sirva exactamente para
a nossa casa, como a mesa.

Mãe! passa a tua mão pela minha
cabeça!

Quando passas a tua mão na minha
cabeça é tudo tão verdade!

Almada Negreiros, poesia

2 comentários:

Ni disse...

«Quando passas a tua mão na minha
cabeça é tudo tão verdade!»

...

Tão belo que quase nos faz suspender o respirar...

...
Fica a vontade do afago de mãe. A verdade do afecto puro e incondicional...

ferreira disse...

É verdade, Ni, li este poema já à alguns anos, é como dizes muito belo...eu que pensava que o Almada «só» pintava...
«afecto puro e incondicional...»único.